Atividade Sísmica no Distrito de Andes, Bebedouro, e a Possível Relação com Perfuração de Poços Tubulares






Relatório


05 de agosto de 2005












Marcelo Assumpção

IAG –USP, Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas, Universi-dade de São Paulo, Rua do Matão 1226, São Paulo, SP, 05508-090. marcelo@iag.usp.br


Tereza Higashi Yamabe

FCT-UNESP, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Rua Roberto Simonsen 305 - Presidente Prudente, SP, 19060-900. higashi@prudente.unesp.br

1. Introdução


Em janeiro de 2004 pequenos tremores de terra começaram a ser sentidos no Distrito de Andes, município de Bebedouro, na região indicada na Fig. 1. Inicialmente apenas os moradores dos sítios Santo Antônio, família Cagnin (estação 1 na Fig.1) e família Lombardo (estação 7) sentiam os tremores. O fato de que a Fazenda Aparecida havia perfurado dez poços no ano anterior, alguns com vazões bastante altas, fez os moradores de Andes suspeitarem de que a causa dos tremores era a perfuração dos poços e exploração de água subterrânea.



Figura 1. Mapa do distrito de Andes. As estrelas vermelhas são os epicentros dos três maiores sismos até julho de 2005 (Tabela 1). Triângulos brancos (1 a 9, e “A”) são estações sismográficas instaladas a partir de março de 2005. Círculos são poços tubulares profundos (que penetraram na camada de basalto); círculos azuis são os poços com vazão maior que 80m3/h. Os poços da Faz. Sta. Terezinha (P01 a P04) foram abertos em 2002; os da Faz. Aparecida (P02 a P11) foram perfurados em 2003; o poço da Faz. Santa Ana (StA) foi perfurado em 2004; os dois da Faz. Sta. Cruz (localização aproximada) em 2004.

2. Evolução da atividade


A atividade sísmica inicial durou até o mês de maio e julho de 2004, como esquematizado na Fig. 2. Em dezembro de 2004 os tremores voltaram a ocorrer. Em fevereiro de 2005 os tremores aumentaram em intensidade e frequência. A Prefeitura de Bebedouro, então, solicitou ajuda ao IAG/USP, que instalou uma rede de sismógrafos para estudar essa atividade sísmica. O IAG/USP, juntamente com a UNESP, vem estudando tanto os aspectos sismológicos (determinação de epicentros, magnitudes, e a evolução da atividade) como aspectos hidro-geológicos de Andes usando dados de poços tubulares que exploram água subterrânea


Várias estações sismográficas foram instaladas em Andes a partir de 08 de março. O pico da atividade sísmica ocorreu no final de março e início de abril, com os dois maiores eventos até agora (magnitudes Richter de 2,8 e 2,9 em 30/03 e 02/04, respectivamente, ver Tabela 1).



Figura 2. Evolução da atividade sísmica sentida pelos moradores (linha vermelha) e histórico dos poços: losangos indicam as perfurações dos poços próximos aos epicentros (Faz. Aparecida e Faz. Santa Ana); a linha azul indica os períodos de bombeamento contínuo para irrigação (Faz. Aparecida). O histograma mostra a quantidade mensal de chuva no município de Bebedouro.




TABELA 1. Os três maiores eventos até julho de 2005.

Data

Hora Local

Latitude(o)

Longitude(o)

Prof.* (m)

Magnitude Richter

11.03.2005

02:38:26.1

-21.062

-48.503

800

2,6

30.03.2005

08:41:13.9

-21.066

-48.504

500

2,9

02.04.2005

12:25:16.8

-21.062

-48.504

400

2,8

(*) A profundidade pode ter um erro de até ~300 m



A Fig. 3 mostra um total de quase 700 epicentros localizados pela rede de estações entre março e junho deste ano. A precisão das localizações epicentrais é de mais ou menos 200 a 300m. Portanto, a distribuição dos epicentros indica que os tremores não se originam em uma única falha principal, mas ocorrem em uma zona de fraturas e falhas com largura da ordem de 1 km e extensão da ordem de 2 a 3 km.




Figura 3. Epicentros (círculos vermelhos) de todos os eventos bem localizados de 10 de março a 28 de junho de 2005. Triângulos são estações sismográficas.




A evolução da atividade pode ser visualizada nas Figs. 4 a 6. A Figura 4 mostra os epicentros 10 a 25 de março de 2005. A Fig. 4 a atividade de 26/03 a 10/04. A atividade sísmica, que estava concentrada numa extensão menor que 2 km no início de março, passa a ocorrer numa área maior, expandindo-se para SE e NW. De 11/04 a 10/05 o número de tremores diminuiu, mas a atividade se espalhou até a estações 4 (estância Eldorado) e chegaram perto da 9 (Faz. Sta, Bárbara). No final de maio e início de junho, a atividade continuava baixa, mas os epicentros ocorriam principalmente nas bordas da área anterior; neste período os sismos começaram a passar da estação 9 (Faz. Sta. Bárbara), como se vê na Fig. 6.



Quadro1

Quadro2

A sequência de mapas (Figs. 4 a 6) indica uma migração da atividade para áreas mais distantes da área inicial. Para melhor ilustrar esta migração, a Fig. 7 mostra a distância de cada epicentro aos poços P07 e P10 da Faz. Aparecida ao longo deste ano. Apesar da distribuição parcialmente aleatória dos epicentros (típica de qualquer atividade sísmica, seja natural ou induzida), pode-se ver que há uma tendência das distâncias médias aumentarem com o tempo. Nota-se também, a partir de maio, uma diminuição do número de epicentros próximos aos poços.




Figura 7. Distância de cada epicentro ao ponto médio entre os poços P07 e P10 da Faz. Aparecida. Nota-se um forte surto de atividade no final de março e início de abril, um decréscimo da atividade em maio, e uma pequena reativação no final de maio. Dados ainda preliminares. Até final de março, as distâncias eram menores que 1,5km; em maio e junho a maioria dos sismos ocorrem longe dos poços. A curva contínua indica uma expansão do limite de distância da atividade, a partir de meados de dezembro/2004, correspondendo a uma “difusividade sísmica” de 0,3 m2/s, o que seria compatível com um mecanismo de difusão de pressão de água em rochas fraturadas como ocorre com sismos induzidos por reservatórios e por injeção de água (Talwani & Acree, 1984/85).


3. Sismicidade regional


Apesar de ser um país relativamente assísmico, onde terremotos destrutivos praticamente não ocorrem, pequenos tremores de terra (magnitudes até 4 ou 5 na escala Richter) podem ocorrer em qualquer lugar do mundo, inclusive no Brasil. Por isso, tremores de terra no Brasil são muito mais comuns do que se pensa, e são causados por tensões existentes dentro da crosta terrestre, tensões estas de origem geológica.



A Fig. 8 mostra os epicentros dos tremores conhecidos na parte norte do Estado de São Paulo, já incluindo os eventos de Bebedouro deste ano. Não estão incluidos nesta lista os micro-tremores ocorridos na Faz. Boa Vista em Marcondésia (município de Monte Azul Paulista) em março deste ano.



Como se observa na Figura 8, tremores bem maiores do que os observados em Andes têm ocorrido com bastante frequência. O maior sismo de que se tem notícia ocorreu em 1922, perto de Mogi-Guaçu (Fig.8, a SE de Pirassununga) com magnitude 5,1 e foi sentido desde o interior do estado de São Paulo até a cidade do Rio de Janeiro. Este sismo provocou pequenas rachaduras em algumas casas de Mogi-Guaçu e Pinhal, mas não causou nenhuma vítima ou dano de maior gravidade. Nenhum outro tremor teve efeitos mais fortes do que este.



Figura 8. Mapa de sismos (círculos vermelhos) na região norte do Estado de São Paulo, de 1922 a 2005 (já incluindo os de Andes (fonte: catálogo de sismos do IAG).

A região de Bebedouro situa-se na borda de uma zona relativamente sísmica (em termos de Brasil!) que inclui a parte sul de Minas Gerais, parte do Triângulo Mineiro e o nordeste de São Paulo (Berrocal et al, 1984; Assumpção et al., 2004). Nesta zona sísmica (com área um pouco maior do que a mostrada na Fig. 8), tremores naturais, de magnitude 3 ou maiores, ocorrem uma a duas vezes por ano, em média. Estes tremores se devem a tensões naturais existentes na crosta terrestre, tensões estas de origem geológica e presentes em toda a placa sul-americana. Ainda não se sabe exatamente por que a região Sul de Minas e NE de São Paulo é mais ativa que outras partes do Brasil. Uma explicação possível é que nesta região as tensões geológicas atuantes na crosta estejam um pouco amplificadas devido à menor espessura da placa sul-americana (Assumpção et al., 2004).


Apesar da grande maioria dos tremores terem origem inteiramente natural, uma pequena fração tem sido causada também por interferência humana através da construção de grandes reservatórios hidrelétricos e perfuração de poços profundos. A abertura de poços profundos e grandes represas podem alterar a pressão da água presente em fraturas a centenas ou milhares de metros de profundidades, facilitando (ou antecipando) o deslizamento entre blocos de rocha sujeitos àquelas tensões geológicas. Este tipo de fenômeno é chamado “sismicidade induzida” ou “sismicidade disparada”. Na zona sísmica definida acima, vários reservatórios já induziram sismicidade como por exemplo Volta-Grande/Porto-Colômbia (perto de Conceição das Alagoas, MG), Marimbondo (ambos no Rio Grande e mostrados na Fig. 8), Miranda e Nova Ponte, próximos de Uberlândia, MG. Em todo o Brasil já foram comprovados mais de 15 reservatórios com sismicidade associada (Assumpção et al., 2002). Um caso bem estudado de tremores induzidos por poços tubulares ocorreu em Nuporanga, SP, a 80km de Bebedouro (Yamabe & Hamza, 1996).


Sismos podem ocorrer como um único evento isolado (às vezes acompanhado de pequenas “réplicas” ou sismos menores), ou na forma de “enxame” com uma sequência de inúmeros abalos com duração de semanas, meses ou anos. Um exemplo típico de evento isolado foi o tremor de Mogi-Guaçu de 1922, com magnitude 5,1: não foi precedido nem seguido de nenhum outro evento menor. O sismo de Catanduva de 2001 também ocorreu como um único evento isolado. Exemplos de enxames de sismos são os eventos induzidos pelo reservatório de Volta-Grande em 1974 (perto da cidade de Conceição das Alagoas, MG, Fig. 8) que duraram várias semanas. Os sismos induzidos em Nuporanga duraram alguns anos. Sismos naturais, porém, também, ocorrem na forma de enxames, como os surtos de Sacramento em 1989/90 e 1991/92, ou os de Cajuru em 1996. A sequência de eventos de um enxame não obedece a um padrão definido, e é comum que haja surtos de atividade maior e mais intensa, intercalados por períodos de menor atividade. Sismos naturais podem ocorrer na forma isolada ou como enxames. Sismos induzidos sempre ocorrem como enxames de longa duração.


A grande maioria dos tremores de terra na região da Fig. 8 têm origem natural. Porém, a ocorrência dos sismos induzidos por poços tubulares em Nuporanga e os casos de sismicidade induzida por reservatórios hidrelétricos no Rio Grande, também assentados sobre camadas de basalto, indicam que a perfuração de poços tubulares em Andes para extração de água da camada de basalto tem a potencialidade de também provocar tremores de terra.

4- Geologia e poços profundos


A região de Andes e Bebedouro é coberta por uma camada de arenito (Formação Adamantina) com espessuras que variam de 50 a 100m. Abaixo do arenito, encontra-se uma camada de basalto (Formação Serra Geral) que tem espessura de 500m aproximadamente. Na região de Andes as altitudes variam de 540 a 650m.


O topo da camada de basalto, porém, é mais suave, como se vê na Fig. 9, com altitude variando entre 490 e 520m e uma tendência de aprofundamento para oeste. Uma feição muito interessante que se nota na Fig. 9, é um afundamento do basalto próximo aos poços P07 e P10 da Faz. Aparecida. Esta feição fica mais clara na Fig. 10 que mostra uma projeção NS dos dados dos poços das Fazendas Santa Ana e Aparecida. Pode-se ver que os dois poços com vazões extremamente altas (P07 e P10) da Fazenda Aparecida, estão locados numa região onde o topo do basalto está mais fundo. Esta feição pode significar que a água da superfície que percola pela camada de arenito poderia se acumular nesta “baixada” contribuindo para alimentar as fraturas do basalto, ajudando a explicar as altas vazões dos poços próximos. Esta questão ainda está sendo investigada através da análise de água coletada em vários poços de Andes (tanto rasos como profundos) sendo efetuada pela UNESP de Rio Claro.



Figura 9. Cota do topo do basalto (aproximado), obtida por interpolação dos dados de poços (círculos pretos com número de identificação) de Andes. Note um aprofundamento do topo do basalto próximo aos poços P07 e P10 da Faz. Aparecida.




Figura 10. Projeção dos dados de poços da Fazenda Santa Ana (StA) e Faz. Aparecida (P01 a P11) conforme a latitude UTM (km Norte). Dados obtidos do cadastro dos poços no DAEE-Araraquara. Na parte superior estão os dados de condutividade elétrica, resíduos sólidos, PH, e vazão máxima. Na parte inferior as linhas representam a superfície (preta grossa), profundidade do solo (preta fina), Nível Estático (azul “NE”), topo do basalto (vermelha), e Nível Dinâmico (“ND”). As cruzes indicam prováveis fraturas, e os círculos indicam limites interderrames, segundo informações dos perfuradores constantes do cadastro do DAEE.

5. Discussão: sismicidade natural ou induzida por poços?


Estabelecer se um caso de tremores é induzido (por reservatório, ou poço profundo) pode ser um problema muito difícil e quase sempre é preciso analisar evidências indiretas. Como evidências indiretas usam-se a proximidade espacial e temporal entre a causa (reservatório ou poço) e os efeitos (tremores), correlação entre variação da pressão de água e número de tremores, e padrão de dispersão dos epicentros (e.g., Gupta et al., 1972a,b).


Os tremores de terra de Andes não ocorrem por colapso de cavernas, ou de alguma camada de rocha, causado por um “vazio” resultante da extração de muita água do sub-solo, como se poderia pensar. Os sismos são deslocamentos pequenos e repentinos de blocos de rocha (deslizando, mas sem criar espaços vazios) resultado de pressões geológicas. A penetração de água nas fraturas entre os blocos, que já estavam a ponto de deslizar, é o mecanismo que pode induzir (o termo mais correto seria “facilitar” ou “disparar”) a ocorrência dos tremores. Retirada de água, por outro lado, tornaria as fraturas menos propensas a deslizar (o “atrito” seria maior em fraturas mais secas).


Assim, o único mecanismo conhecido pelo qual algum poço poderia induzir sismos é a sua perfuração ter permitido a penetração de água em fraturas previamente secas (ou com menor pressão). Ou seja, o poço poderia estabelecer uma comunicação entre um nível de fratura (ou interderrame) cheio de água com um outro nível (mais profundo) previamente seco. A água que penetra nesta fratura pode levar algum tempo (dias ou meses) para se difundir a distâncias maiores até encontrar uma zona de falhas propensas a deslizamento. Esta situação é bastante rara, obviamente, se não, poços induzindo tremores seriam muito mais comuns.


A água que se extrai da camada de basalto encontra-se geralmente em zonas ou “fraturas” horizontais, formadas entre a deposição de dois derrames de lava. Esta zona é conhecida como “interderrame”. As camadas de basalto, durante a evolução geológica, também foram fraturadas em planos verticais que cortam as zonas interderrames. Os tremores estão ocorrendo em fraturas quase verticais ou inclinadas. Durante o processo de perfuração de um poço, o sondador pode ter uma idéia aproximada de quando a sonda atravessou uma fratura ou uma zona interderrame, seja pelo ritmo da perfuração, seja pela análise dos resíduos de rocha extraídos. A Fig. 10 mostra algumas destas informações disponíveis. Porém, este tipo de dado é muito precário e pouco preciso.


A pergunta então é: os tremores de Andes são naturais e ocorreram próximos a poços profundos por coincidência, ou foram facilitados pela perfuração de algum poço nas vizinhanças ?


a) probabilidade de coincidência


Dado o grande número de poços tubulares furados nos últimos anos para extração de água do basalto, é possível que os tremores tenham ocorrido por acaso a menos de 1 km de dois poços da Fazenda Aparecida ou a 1,5 km da Faz. Santa Ana. Supondo que um tremor tenha ocorrido naturalmente, qual seria a probabilidade de que o epicentro esteja a menos de 1 km de algum poço perfurado até um ano antes?

Para quantificar a probabilidade dos tremores de 2004 terem sido causados pela perfuração dos poços em 2003, podemos verificar quantos poços foram perfurados numa certa região e estimar a chance dos epicentros cairem a menos de 1 km de um destes poços. Para os poços de 2003 (e tremores de 2004), um cálculo preliminar indica uma chance de ~20% dos sismos ocorrerem a menos de 1 km de algum poço. Para os poços perfurados em 2004 (potencialmente relacionáveis aos tremores deste ano), a chance é de ~15%.


Estas estimativas são bastante preliminares, pois ainda não dispomos de informações completas de todos os poços perfurados recentemente na região de Andes e arredores. A possibilidade dos tremores estarem perto de poços profundos por acaso seria similar à de se tirar o número 6 num lance de dado. Podemos dizer, preliminarmente, que há uma possibilidade (pequena) dos tremores serem naturais e terem ocorrido perto de poços por acaso.


b) relação com bombeamento


A Fig. 2 mostra que as duas sequências principais de atividade (primeiro semestre de 2004, e primeiro de 2005) ocorreram quando os poços não eram bombeados continuamente para irrigação. A hipótese de relação com a perfuração dos poços poderia ser enunciada da seguinte maneira: a perfuração em março/abril de 2003 poderia ter permitido uma pequena entrada de água em uma fratura previamente seca. Esta água poderia levar alguns meses para atingir a quantidade e pressão suficientes em fraturas potencialmente sísmicas a algumas centenas de metros de distância, ocasionando os tremores do 1o. semestre de 2004. No segundo semestre de 2004, com o bombeamento contínuo dos poços, a pressão da água deve ter diminuído (ou pouca água estava disponível para alimentar a fratura) e os sismos pararam. A parada do bombeamento em dezembro permitiu nova recarga da fraturas e a volta da atividade.


Este tipo de raciocínio não prova conclusivamente que os tremores foram provocados pelo(s) poço(s), mas apenas mostra que os períodos de atividade sísmica e de bombeamento são compatíveis com a hipótese de indução.


c) migração da frente da atividade sísmica


Apesar dos tremores ocorrerem em surtos mais e menos intensos (o que é comum em qualquer sequência sísmica, seja natural ou induzida) há uma tendência da atividade atingir locais cada vez mais distantes dos poços. A Fig. 7 mostra que o aumento das distâncias máximas segue uma tendência que corresponde a um parâmetro de difusividade hidráulica de 0,3 m2/s. Este parâmetro rege o processo de difusão de pressão de água em meios porosos embora se costume estimar seu valor para meios fraturados também. O valor de 0,3 m2/s é pequeno, mas é compatível com os valores encontrados em vários outros casos de sismicidade induzida por reservatórios hidrelétricos e por injeção de água à alta pressão em poços profundos (e.g., Rayleigh et al. 1976; Fletcher & Sykes, 1977; Talwani & Acree, 1984/85).


Novamente, este tipo de análise não prova a relação dos poços, mas mostra que a atividade sísmica segue um padrão que seria compatível com a difusão de água em fraturas a partir dos poços mais ao sul da Fazenda Aparecida.

6. Conclusão e recomendações


Como discutido acima, ainda não é possível provar diretamente a relação dos tremores com a abertura de poços profundos, mas várias características diferentes (proximidade dos poços, tremores ocorrendo quando os poços estão parados, e migração da frente de atividade) constituem indícios muito fortes de que os tremores estão ocorrendo por processos de movimentação de água subterrânea iniciada com a abertura de um ou mais poços da Fazenda Aparecida.


Para dar continuidade às pesquisas, o IAG manterá em funcionamento a rede de estações sísmicas até 2006 para acompanhar mais um possível ciclo de atividade.


Seria muito importante que se fizessem perfilagens geofísicas nos poços suspeitos, como já havia sido recomendado na Audiência Pública em Andes em 20 de abril. Estas perfilagens permitirão localizar e estudar todas as fraturas dos poços e determinar possíveis saídas e entradas de água. O IPT, órgão estatal, poderia ajudar a Prefeitura de Bebedouro a realizar as perfilagens de fraturas através do PATEM (Programa de Apoio Tecnológico aos Municípios). Para a perfilagem térmica poderia ser contactado o Observatório Nacional no Rio de Janeiro. Apesar dos custos e trabalho para se realizar estas perfilagens (as bombas precisam ser retiradas dos poços), estas perfilagens fornecerão dados muito importantes para a própria manutenção e gerenciamento futuro dos poços.


As tensões geológicas presentes na camada de basalto estão sendo aliviadas pela própria sismicidade. Isto significa que, mesmo que não se faça nenhuma intervenção nos poços, um dia a atividade sísmica deve acabar. Infelizmente, não há como prever se isto ocorrerá nos próximos meses ou se o ciclo ainda continuará por mais alguns anos. Tampouco é possível prever se a atividade terá novos surtos mais intensos ainda ou se a fase mais crítica já passou.




Agradecimentos


Os autores agradecem à Prefeitura Municipal de Bebedouro, ao DAEE de São Paulo e Araraquara, pela colaboração e acesso ao arquivo de dados, ao geólogo José Luiz Spiller (Geominas) e ao Prof. H.K. Chang (UNESP) pelas profícuas discussões, à FCT/UNESP de Presidente Prudente pelo apoio, aos proprietários dos sítios, principalmente aqueles onde as estações sismográficas foram ou ainda estão instaladas, aos meios de comunicação de Bebedouro e à população em geral do Distrito de Andes. Agradecemos também aos proprietários e gerentes das Fazendas Aparecida, Santa Ana, Therezinha e Santa Cruz pela colaboração e acesso aos dados de seus poços. Especial agradecimento aos proprietários do Sítio Santo Antônio, José e Didier Cagnin, pelo apoio fundamental aos trabalhos de campo.


Referências


Assumpção, M., M. Schimmel, C. Escalante, M. Rocha, J.R. Barbosa & Lucas V. Barros, 2004. Intraplate seismicity in SE Brazil: Stress concentration in lithospheric thin spots. Geophysical J. Int., 159, 390-399.


Assumpção, M.; Marza, V.; Barros, L.; Chimpliganond, C.; Soares, J.E.; Carvalho, J., Caixeta, D., Amorim, A. & Cabral, E., 2002. Reservoir induced seismicity in Brazil. Pure Appl. Geophys., 159, 597-617.

Berrocal, J., M. Assumpção, R. Antezana, C.M. Dias Neto, R. Ortega, H. França & J. Veloso, 1984. Sismicidade do Brasil. IAG-USP/CNEN, São Paulo, 320 pp.


Gupta, H.K., B.K. Rastogi & H. Narain, 1972a. Common features of the reservoir-associated seismic activities. Bull. Seism. Soc. Am., 62, 481-492.


Gupta, H.K., B.K. Rastogi & H. Narain, 1972b. Some discriminatory characteristics of earthquakes near Kariba, Kremasta, and Koyna artificial lakes. Bull. Seism. Soc. Am., 62, 493-507.


Fletcher, J.B. & L.R. Sykes, 1977. Earthquakes related to hydraulic and natural seismic activity in western New York state. J.Geophys.Res., 82, 3767-3780.


Rayleigh, C.B., J.H. Healy & J.D. Bredehoeft.,1976. An experiment in earthquake control at Rangely, Colorado. Science, 191, 1230-1236.


Talwani, P. & S. Acree, 1984/85. Pore pressure diffusion and the mechanism of reservoir-induced seismicity. Pure and Appl. Geophys., 122, 947-965.


Yamabe, T.H. & Hamza, V. M., 1996. Geothermal investigation in an area of induced seismic activity, Northern São Paulo State, Brazil. Tectonophysics, 253, 209-225.





Marcelo Assumpção (IAG/USP)


Tereza Higashi Yamabe (UNESP/Prudente)

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