Os tremores de terra de março de 2005 em Andes,

município de Bebedouro.

 

 

Relatório preliminar

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

13-03-2005

IAG - Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas

USP - Universidade de São Paulo

 

Introdução

Em final de fevereiro e início de março, a Prefeitura de Bebedouro, através do eng. Suhail (SAAEB), solicitou ao IAG um estudo dos tremores de terra que vinham ocorrendo na localidade de Andes. Em 03 de março, dois técnicos do IAG (geofísica Célia Fernandes, e eng. Luís Galhardo) vieram para Andes instalar alguns sismógrafos para efetuar uma primeira análise, voltando no dia 07. Em 08 de março, outros técnicos do IAG (técnico José Roberto Barbosa, geofísico Afonso Lopes, e o motorista Cristóvão Maria) trouxeram novos equipamento para uma análise mais detalhada dos tremores, e instalaram seis estações sismográficas na área mais afetada. Com a ocorrência do tremor forte na madrugada do dia 11/03 outras duas pessoas (Prof. Marcelo Assumpção, e o geofísico Marcelo Bianchi) vieram completar a equipe de estudo.

Este relatório descreve os resultados preliminares obtidos com os dados coletados em campo até 13/03.

 

Tremores de terra no Brasil

Os estrondos e vibrações sentidos em Andes são fenômenos naturais causados por pequenos sismos. Pequenos tremores de terra, ou abalos sísmicos, não são fenômenos tão raros no Brasil como se poderia pensar. Todos os anos, dezenas de locais no Brasil são palco de tremores de terra de pequena intensidade. Estes tremores podem causar grande apreensão na população, mais pelo desconhecimento do fenômeno do que pelo seu risco. O maior tremor ocorrido na madrugada do dia 11/03 teve magnitude em torno de 1,5 na escala Richter, o que é uma magnitude bastante baixa, mesmo em termos de Brasil. Tremores muito mais fortes do que este ocorrem em outras partes do país frequentemente.

Como exemplo de tremores em outras regiões, pode-se citar: Catiguá (perto de Catanduva) em 2000 com magnitude 3; Areado, sul de Minas, em 2003 e 2004, com magnitude máxima de 3; Belo Jardim, PE, durante todo o ano de 2004, com magnitude até 2,5; Porto dos Gauchos, MT, em 10/03/1998 com magnitude 5, etc.

São registrados no Brasil uma dezena de sismos com magnitude superior a 3 todo ano. Vários casos de magnitude 5 ou maiores já ocorreram provocando trincas em paredes: Mogi-Guaçu, SP, 1922; Ceará, 1980; Rio Grande do Norte, 1986 e 1989, etc.

Os tremores são causados por um rápido deslocamento de rochas em profundidade, geralmente em pequenas falhas ou fraturas, devido ao acúmulo de pressões de origem geológica. A origem destas pressões (ou tensões), em geral, está relacionada ao movimento da placa sul-americana. Os grandes terremotos ocorrem apenas nas grandes falhas existentes nas bordas das placas (como no Chile, Peru, e demais países da região andina, e borda do Pacífico). No Brasil, região mais estável no interior na placa sul-americana, os sismos ocorrem apenas em pequenas fraturas e por isso não atingem magnitudes grandes.

Nunca se registrou uma vítima fatal de abalo sísmico no Brasil.

A atividade sísmica de Andes, Bebedouro, 2004-2005.

Segundo informações dos moradores do Sítio Santo Antônio, tremores de terra começaram a ser sentidos localmente em 2004, de janeiro a maio. Estes tremores, aparentemente, só eram sentidos nos sítios do Sr. José Cagnin e Sr. Toninho Lombardo (a menos de 1 km do epicentro, Fig. 3) e foram interpretados como detonações de pedreiras. Pelo que nos foi informado, os tremores de 2004 não eram sentidos na Faz. Estância Dourada. Depois desta época, os tremores deixaram de ser sentidos até o final do ano.

Em dezembro de 2004 e janeiro de 2005, os tremores voltaram a ser sentidos no Sítio Sto. Antônio, ficando mais fortes em fevereiro deste ano. O maior tremor até agora foi o de 11/03 último.

O tremor da madrugada de 11/03/2005

Os maiores efeitos deste tremor, além de chacoalhar bastante as casas (fazendo barulho em portas, janelas e telhados, e acordando as pessoas) foi a queda de alguns objetos de prateleiras no sítio Santo Antônio do Sr. Toninho Lombardo, e o desligamento de um transformador na Faz. Sta. Zulmira. Não estando acostumadas a tremores de terra, as pessoas afetadas, obviamente, ficaram muito apreensivas e nervosas.

A Fig. 1 abaixo mostra os registros deste sismo em quatro estações da rede sismográfica. Nota-se que os registros duraram pouco mais de 10 s nas estações. As pessoas devem ter sentido as vibrações do tremor por alguns poucos segundos apenas. A magnitude deste evento foi estimada por volta de 1,5 na escala Richter.

Fig. 1. Registro do abalo de 11/03 as 02:38 (Hora local). A escala superior indica a duração em segundos. Note que as vibrações foram maiores na Faz. Estância Dourada (Sr. Dalvo Vitório) e Sítio Sto. Antônio (Sr. José Cagnin). Cada sismograma tem escala de amplitude diferente.

Durante os cinco dias de operação das estações, dezenas de tremores foram registrados, boa parte dos quais passando desapercebidos pelas pessoas. A Fig. 2 mostra outro exemplo de um pequeno evento sentido mais levemente na região afetada.

Fig. 2. Exemplo de evento sísmico registrado em cinco estações da rede. Magnitude Richter ~ 0,7. Sentido no Sítio Santo Antônio. Os traços estão alinhados pela primeira chegada (onda P = som propagando-se nas rochas por baixo da terra). Cada sismograma tem uma escala vertical diferente.

 

Região epicentral

O mapa da Fig. 3 mostra as seis estações instaladas e a região epicentral.

A origem dos tremores localiza-se entre o Sítio Sto. Antônio (Sr. José Cagnin) e a Faz. Estância Dourada (Sr. Dalvo Vitório), aproximadamente 1 a 2 km antes do Córrego Andes desaguar no Córrego da Água Limpa. O epicentro está ~3,5 km a oeste da vila de Andes. As coordenadas do epicentro são:

Coordenadas UTM: 7.668,7 km N 759,4 km E (meridiano central 51º W)

Coordenadas geográficas: 21º 03’ 54" S 48º 30’ 15" W

 

É provável que os epicentros estejam distribuídos num raio de algumas poucas centenas de metros em torno do ponto indicado acima.

A profundidade do foco dos tremores ainda não foi determinada com boa precisão, mas as análises preliminares indicam uma profundidade focal entre 200m e 1000m, provavelmente na camada de basalto. Esta determinação foi feita supondo uma espessura de 200m do arenito Bauru com velocidade de onda P (o som na rocha) de 3000 m/s, abaixo do qual estaria a camada de basalto com velocidade P de 5000 m/s.

Para melhorar as determinações do epicentro e da profundidade focal serão necessárias análises mais detalhadas a serem feitas no IAG-USP. Um conhecimento mais preciso da estrutura geológica local (espessuras e velocidades sísmicas das camadas do sub-solo) também será necessário para melhorar a precisão do epicentro e da profundidade focal.

 

Relação com poços tubulares profundos

Ainda não é possível saber se existe alguma relação entre os tremores de Andes e perfuração de poços tubulares profundos na região. Algumas considerações sobre esta possibilidade podem ser resumidas abaixo.

No Brasil há um único caso bem comprovado de poço artesiano que provocou uma série de tremores de terra: o caso de Nuporanga (50 km a norte de Ribeirão Preto) de 1977-1979, onde um poço perfurou mais de 200m de basalto. Outros casos possíveis ocorreram em Fernando Prestes na década de 50, e em Presidente Prudente em 1988. Por outro lado, centenas de poços tubulares profundos têm sido perfurados na Bacia do Paraná (principalmente nos estados de São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul) sem provocar nenhum efeito observável de tremores de terra. Ou seja, o fenômeno de poço profundo induzir tremores de terra é muito raro.

Sequências de tremores de terra como o de Andes, com períodos mais ativos intercalados com meses mais calmos, ocorrem em outras regiões do Brasil (principalmente no Nordeste) sem relação nenhuma com poços profundos. Isto é, a longa sequência de tremores que vem ocorrendo em Andes não é, por si só, indício de indução por poços.

Aparentemente, na região de Andes os poços são rasos, não atingindo a camada de basalto, e retiram água apenas do arenito Bauru (segundo informações dadas a SAAEB). Neste caso, os poços não poderiam induzir deslisamento em fraturas mais profundas no basalto, como sugere a profundidade focal dos eventos sísmicos.

Conclusões e recomendações

Os tremores de terra de Andes têm magnitudes muito pequenas e não representam riscos sérios aos moradores.

É possível que os tremores ainda continuem ocorrendo por vários meses, com períodos de maior e menor atividade. Não é possível prever se haverá outros tremores maiores do que o da madrugada de 11/03. De qualquer modo, não há risco significativo para os moradores.

Ainda não há dados para se provar uma possível relação com abertura de poços profundos na região. Para esclarecer esta dúvida de maneira definitiva, são necessárias informações técnicas dos poços da região tais como perfil litológico, data de perfuração, histórico de operação, etc.

O IAG deverá instalar mais algumas estações próximas ao epicentro para melhorar a determinação das profundidade dos focos sísmicos. Esta rede deverá operar por mais uma semana aproximadamente. Após este período de monitoração com a rede completa (8 ou 9 estações), bastaria deixar três estações próximas ao epicentro, com funcionamento automático e coleta de dados mensal, para uma possível monitoração de longo prazo da atividade sísmica.

 

Agradecimentos

O apoio da Prefeitura de Bebedoro, através da SAAEB, vem sendo fundamental para a realização de todos os trabalhos de pesquisa do IAG. O trabalho de campo tem sido bastante facilitado pela hospitalidade e valiosa colaboração dos moradores das fazendas onde se instalaram os sismógrafos, em especial o Sr. José Cagin, Sra. Didier Cagnin e Sr. Toninho Lombardo.

 

 

Bebedouro, 14 de março de 2005

 

 

Equipe:

Prof. Marcelo Assumpção

José Roberto Barbosa

Afonso Lopes

Marcelo Bianchi

Célia Fernandes

Luís Galhardo

Cristóvão Maria

Fig. 3. Mapa da região afetada. Triângulos são as seis estações sismográficas instaladas na primeira semana de estudo. Área hachurada entre o Sítio Sto. Antônio (estação 1) e Fazenda Estância Dourada (estação 4) é a área dos epicentros.