Arcabouço estratigráfico-quimioestratigráfico da base do Grupo Bambuí: os altos de Januária e Sete Lagoas no contexto de Bacia de antepaís gondwânica.

Estudos tectônicos, geocronológicos e paleontológicos apontam para deposição do Grupo Bambuí no contexto de um sistema bacinal de antepaís ediacarano-cambriano, desenvolvido em condições restritas durante o Ciclo Brasiliano/Pan-Africano. À luz dos recentes avanços no entendimento do arcabouço tectonoestratigráfico da bacia, este trabalho apresenta a análise estratigráfica sequencial e quimioestratigráfica (δ13C carb e razões Sr/Ca) em escala bacinal, a partir de quatro seções estudadas nos altos de Januária e Sete Lagoas (furos de sonda e afloramentos) e com o objetivo de compreender o significado espacial e paleoambiental das anomalias geoquímicas registradas nesta unidade. O intervalo estudado representa as duas sequências de 2a-ordem basais, abrangendo as formações Carrancas, Sete Lagoas, Serra de Santa Helena e Lagoa do Jacaré, da base para o topo, que registram as duas principais excursões de δ13C carb do Grupo Bambuí. A sequência basal se inicia com um trato de sistemas transgressivo, representado por diamictitos da Formação Carrancas recoberto por dolomitos, calcários e pelitos da base da Formação Sete Lagoas, assentados discordantemente sobre o embasamento arqueano/paleoproterozoico. A este intervalo estão associados os carbonatos de capa, marcados por excursão de δ13C carb negativa até ~−5‰, seguida por excursão positiva para valores próximos a 0‰. Este estágio apresenta baixas razões Sr/Ca dada à presença de intensos processos de neomorfismo. Este trato de sistemas é limitado no topo por uma superfície de inundação máxima. Acima desta superfície, um trato de sistemas regressivo foi dividido em trato de sistemas de mar alto inicial e final, abrangendo a porção intermediária da Formação Sete Lagoas. Os valores de δ13Ccarb usualmente se apresentam em um platô de valores entre 0 e +1‰, com exceção da seção estudada em um graben de forebulge, com sucessivas excursões positivas de δ13C carb, atingindo valores de ~+4‰. A transição entre esses estágios é marcada pela evolução de sistemas deposicionais dominados por rampa carbonática média a profunda para rampa interna, acompanhados por um aumento significativo nos teores de Sr em escala bacinal, refletido no aumento das razões Sr/Ca. A este estágio final do trato de sistemas de mar alto estão associadas as ocorrências do fóssil Cloudina sp., reportadas na região de Januária (MG). O limite de sequências é marcado por superfícies erosivas, com dolomitização e exposição subaérea nos paleoaltos. A extrema excursão positiva de δ13C carb do Grupo Bambuí ocorre neste limite de sequências, atingindo valores de até +14‰. Os altos valores de δ13C carb e razões Sr/Ca persistem ao longo da segunda sequência, em calcários das formações Sete Lagoas superior e Lagoa do Jacaré, representando drásticas mudanças paleoambientais em resposta à crescente restrição marinha causada pelo avanço das frentes orogênicas marginais. Condições como hipersalinidade, alta alcalinidade e ambientes aragoníticos podem ser responsáveis pelo aumento dos teores de Sr, enquanto o aumento de preservação de matéria orgânica e metanogênese microbial na bacia sulfato-limitada podem explicar os valores extremos de δ13C carb. Nesse cenário, o Grupo Bambuí registra um contexto epicontinental particular na transição Pré-Cambriano/Cambriano no Gondwana Ocidental, singular para a dispersão dos primeiros organismos complexos para o interior dos continentes, bem como desvios dos sistemas isotópicos em relação a sistemas marinhos-oceânicos.